terça-feira, outubro 10

back to the future (e ainda bem!)

Por falar em remexer no passado, obras desta magnitude implicam esvaziar a casa. E esvaziar a casa implica remexer em quase todas as coisas que juntei na minha vida.

Digo quase porque os brinquedos da minha infância foram para sempre perdidos num célebre ataque de má vontade por parte da pessoa que os guardou durante mais de dez anos, que decide jogá-los fora sem qualquer tipo de autorização por parte da dona (isto é, a minha pessoa).

E porque apesar de tudo há dez anos que não moro lá, e as coisas que juntei nestes últimos dez anos estão lá, na minha casa, no presente momento a encher‑se de pó graças à operação cara‑limpa que o meu corredor (da casa do subúrbio) está a sofrer.

E o que é que sobra? Tudo o que se passou entre 1986 e 1996. Numa frase: "ai que medo". Mesmo.

Se se derem ao trabalho de fazer as contas, vão perceber que o período arqueológico que a casa abriga vai dos meus dez aos meus vinte anos. Ou seja, a pré e a adolescência propriamente dita.

Significa que encontrei de tudo, desde impressos de acesso à universidade, a posters, passando por diários (!), bilhetes de cinema e convites de discoteca.


Tudo visto do alto dos meus trinta anos pareceu-me perigosamente perto. A minha baixa auto-estima (temperada com a minha mais que comentada arrogância e auto-importância), os problemas insignificantes que eu tinha mas que insistia em magnificar, e os problemas importantes que eu tinha e que optava por não resolver. A maneira como me tratavam e a maneira como eu tratava os outros, as parvoíces com que eu me entretinha, o grupo de quem eu gostava (bem, gostava é uma palavra muito fraca para definir aquilo), os colegas, os amigos que sacrifiquei para obter ou conservar outros (que, aproveito para dizer, já não conservo), as coisas que eu fazia e as coisas que deixei de fazer...

Nunca desejaram ter um botão de delete para apagar certo e determinado tipo de coisas? Eu já. E por isso usei o que mais se pode parecer a isso numa situação destas: o belo e fantástico caixote do lixo.

Joguei fora coisas que eu nunca jamais acharia que seria capaz (graças ao meu patológico hábito de acumular lixo). Recordações que há muitos, muitos anos serviram de pretexto para me chatear com pessoas amigas foram sem dó nem piedade atiradas para o lixo. Ou para a reciclagem (e espero que as transformemm numa coisa boa, por favor).

Pelos vistos não gostei de mim durante quase uma década. E o pior de tudo é que eu hoje também não gosto da mim dessa época.

Diz o A. que se não fosse tudo isso, que se eu não tivesse passado por isso, que se eu não tivesse sentido isso hoje em dia não era assim.

Agradeço o pensamento kármico e eu sei que ele bem lá no fundo tem razão, mas revolta-me o quase desperdício de dez anos concentrados em parvoíce.

Agora deitados para o lixo. E reciclados.